32º Capítulo – A Mensagem de Anon


A consciência de Jaden pareceu recuperar de um sono que pareceu durar dias. Encontrava-se deitado sobre uma mistura de relva húmida e folhas secas que caiam constantemente das árvores. Um vento gélido fustigou-lhe o rosto, assim como o resto do corpo. Não se atreveu a abrir os olhos, preferia mantê-los fechados enquanto dois homens lutavam até à morte. Mas nesse instante reparou no silêncio que cobria todos aqueles troncos de árvores e arbustos. O ambiente parecia mais apaziguado sem nenhum sinal de luta. Assim como o sítio onde se encontrava deitado; havia talvez horas em que ele estivera mergulhado num lago gelado e escuro. Tinha sido resgatado.


Abriu lentamente os olhos, e viu a imagem turva de uma pequena fogueira a crepitar freneticamente. Ao lado dessa tenda, encontrava-se um rapaz corpulento, o que Jaden tinha visto antes de desmaiar, mas com um ar mais calmo e uma expressão mais vazia e indiferente, fazendo-o lembrar-se de Thomas. Quando se levantou, fez estalar uns galhos que se encontravam mesmo ali ao pé, fazendo o rapaz de cabelos prateados virar-se repentinamente para trás. Contudo, não teve reação, e apenas disse:
- Vejo que já acordaste… - e voltou a remexer nas chamas da fogueira com um pau.
Jaden caminhou em volta da fogueira, de maneira a sentar-se em frente ao rapaz.
- Q-quem és tu?
- Aquele que acabou de te salvar a vida. – Perante a expressão confusa de Jaden, sorriu levemente e apresentou-se – Chamo-me Anon. E presumo que tu te chames Jaden Lory, não é verdade?


- Sim… como é que sabes o meu nome?
- O teu amigo Nathan não era o único a desconfiar do ‘Thomas’ que mais tarde vieste a saber que se chamava Abraxaz e que quase te matou…
- Você tem estado a…
- Espiar-te? Não sei que tipo de significado é que vocês, humanos, dão a essa palavra tão complexa, mas se é o que eu estou a pensar… sim, estava.
Jaden abanou energeticamente a cabeça. Dentro de si debatia-se uma pergunta que insistia em manter-se na sua mente: porque haveria um rapaz chamar as pessoas de humanos quando ele era um?
- Eu não sou humano – elucidou Anon, como se lhe tivesse lido os pensamentos.
- Isto é alguma brincadeira? – perguntou Jaden, rudemente.
Fez-se uma longa pausa, ouvindo-se apenas o crepitar frenético da fogueira no meio deles. De seguida, uma pequena gargalhada irrompeu de Anon.
- Olha para o teu braço direito…
- O quê?


- Olha para o teu braço direito… - repetiu Anon, impaciente.
Jaden olhou para o seu braço e arregaçou a manga da sua camisa, que já não se encontrava rasgada pelas garras do tigre que o tinha ferido. Tal como o tecido, a sua ferida já não jorrava sangue nem se encontrava profundamente aberta. No seu lugar estavam apenas quatro cicatrizes, como se já lá estivessem há imensos anos.
- Mas…
- Pensas que um médico a conseguia cicatrizar num espaço de uma hora?
- E… e ainda agora estavam aqui um… tigre… e um leopardo! A lutarem!
- O leopardo era eu, não sei se te lembras, depois eu assumi a minha forma original para não teres um ataque cardíaco. Tal como o Abraxaz.
- Quem? – inquiriu Jaden, confuso.
Anon fez uma expressão ainda mais impaciente e ameaçadora.
- Será que a queda ao lago te provocou falta de memória? De qualquer das formas eu volto a repetir: aquele que tu pensavas que era o Thomas, era o Abraxaz! Um amante de arqui-inimiga do meu povo, que veio aqui a seu mando para te matar.
- A mim? Porquê? Porquê eu?
- Tu vives num mundo sustentado por crimes, como é que és capaz de te questionares porquê que alguém te quis matar? Estou a ver que ainda vais ter de aprender muito.


Seguiu-se outra longa pausa. Anon permanecia a remexer nas chamas com um pau, sem proferir uma palavra, como se estivesse à espera de mais perguntas vindas de Jaden.
- Então… - recomeçou Jaden, de repente – Foi o Thomas que provocou todos estes homicídios aqui na cidade? Ele disse-me qualquer coisa quando… quando se transformou… naquilo…
- Num tigre? – completou Anon, com um sorriso na cara, como se estivesse a ver um programa de anedotas, sendo Jaden o humorista. – Sim, foi ele. Tal como eu, o Abraxaz, a quem tu ainda chamas Thomas, não pertence a este mundo… ao teu mundo. Daí a sentir-se mais fraco e vulnerável. Contudo, ele arranjou um método eficaz de recuperar energias para te conseguir perseguir todo este tempo: o sofrimento. Ele alimentava-se do sofrimento bizarro das pessoas, só assim é que ele podia ter energia suficiente para conseguir assumir a forma de uma pessoa que nem sequer existe.
Jaden esfregou os olhos, perplexo, abanando a cabeça vezes e vezes sem conta.
- Só podem estar a brincar comigo! – exclamou, a rir-se, qual humorista a rir-se da sua própria piada. – Então quer dizer que tu és de outra dimensão? – soltou outra gargalhada. – Agora é oficial: estão a gozar comigo. Ou então eu estou a ficar maluco…
Contudo, Anon olhava-o com uma expressão de indiferença, como se já estivesse à espera daquela reação.
- Aqui ninguém está a gozar contigo, Traham Suryah!
- Por favor, para de me chamar isso! Porque é que me chamam assim? Eu tenho um nome…
- A outra dimensão, como tu dizes, é real! E tu pertences a ela! – Anon apontou para o braço esquerdo de Jaden. Este vislumbrou a sua mácula azulada com uma espiral a contorcer-se contra a pele, agora mais do que nunca. – Tu pensas que isso é uma mera marca de nascença?
- Não contestes um dermatologista… - disse Jaden, sem nexo.
- E tu não contestes a minha própria cultura! Tu tens um poder Jaden, um poder que mais ninguém no meu mundo tem!
- Sim, sim… Vai-me contando histórias de terror, só faltavam aqui tendinhas e Escuteiros… - Jaden levantou-se e começou a olhar para a luz da lua, que banhava todas aquelas árvores e o lago da clareira com um manto prateado brilhante.
Por sua vez, Anon também se levantou, forçando Jaden a virar-se para a fogueira.
- Mas tu pensas que eu estou aqui a gastar o meu tempo só para contar uma história a um rapaz? Se eu estou aqui é por alguma razão. Tu tens um poder especial Jaden, ou pensas que o teu amiguinho ia contra aquele muro a dez metros de distância, quase a voar, por vontade própria?
- Foi um acidente…


- Provocado por essa marca! Tu não consegues controlar os teus poderes… ainda.
- Que queres dizer com isso?
- Vais aprender a controlá-los… e eu serei um dos teus professores.
- Olha, mas tu pensas o quê? Que eu vou acreditar nessa história? Sim! É uma história!
- Um rapaz em quem tu pensavas que podias confiar transformar-se num tigre mesmo defronte a ti e tentar matar-te, não me parece uma história para adormecer! – vociferou Anon, encarando Jaden com o seu olhar azulado.
- Eu nem sei se isso é real… posso muito bem estar a sonhar!
Ao ouvir aquelas palavras, Anon encaminhou-se bruscamente para a fogueira e alteou as mãos. Destas, irromperam duas chamas incandescentes, que foram cair nas já existentes, fazendo a fogueira aumentar rapidamente de volume.
Jaden permaneceu petrificado, com os olhos extremamente abertos, a olhar para aquela fogueira tão colossal, outrora pequena e insignificante.
- Amanhã vem ter comigo a esta floresta, depois das tuas aulas… - proferiu Anon, numa voz serena. – Vem ter comigo, e eu explicar-te-ei tudo o que tu precisas de saber para… acreditares…
E com isto, a fogueira apagou-se subitamente, e Anon desapareceu no meio de escuridão, deixando Jaden sozinho, completamente desorientado.

3 comentários:

João disse...

OMG! *dies*
Isto está simplesmente amazing! Tipo, os diálogos estavam tão perfeitos, juro! quase que vivi a cena O.O
MAAAIISSS! u__u

Anônimo disse...

Adorei esta cena! Entrei nela pela conversa serena e por teres entradao bem na cabeça de alguem que por sua vez é um jovem..., entras-te tão bem que conseguis-te tambem tronar as duvidas dele nas nossas... Gostei bastante! e tal como ele disse, so falta umas tendas e é verdade... Adorei o ambiente! Agora quero ver o que vem a seguir ;) muitas perguntas precisam de resposta!

Mr.Lis disse...

WOW isto e espectacular!
Vou já ler o próximo :D :D :D

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