35º Capítulo – A História das Dunas de Tariqq


Depois de levar Daisy a casa, Jaden ponderou uma vez mais sobre a sua decisão. Parecia quase um passo louco entrar novamente naquela floresta e ir ter com um rapaz que nem sequer conhecia. Mas Anon salvara-lhe a vida, e isso fazia-o ver as coisas de uma outra maneira. Olhou uma vez mais para marca cravejada no seu braço esquerdo antes de avançar para a imensidão da floresta. Esta continuava vermelha e a debater-se sobre si própria.
Perfurou o mato, olhando em redor na esperança de encontrar Anon. Mas não viu mais nada a não ser árvores. Avançou para a clareira, onde se estendia um grande lago ladeado por pequenos arbustos. Aquele sítio visto de dia não parecia tão assombroso como visto de noite. Talvez porque não houvesse lá nenhum animal selvagem para o atacar. Porém, ao virar-se para trás, um leopardo de pelo dourado e olhos azuis-claros parecia olhá-lo incansavelmente.


- Isso é mesmo necessário? – inquiriu Jaden, impaciente. – Não te podes pôr humano outra vez?
Por seu turno, o leopardo colocou-se de pé, tal e qual uma pessoa, e rapidamente um corpo esculpiu-se no seu pelo, como se estivesse a sair do mesmo. De lá, surgiu um rapaz de cabelos prateados, que pareciam incrivelmente louros à luz do sol, mantendo os seus reflexos azuis imensamente brilhantes.
- Já te disse… eu não sou humano… - limitou-se Anon a responder, caminhando para junto de uma árvore. – Fico contente por teres vindo…
- Pois… mas pensei duas vezes antes de vir. Aliás, acho que pensei mais do que duas vezes…
- Vocês humanos não gostam nada de arriscar pois não?


- E tu não sabes fazer mais nada senão criticar-me?
- Eu não te estou a criticar. Bem, mas não foi para isso que aqui vieste. Senta-te…
Jaden sentou-se sobre as folhas secas caídas das árvores, enquanto observava Anon a dirigir-se para trás e para diante, com uma expressão pensativa, como se estivesse a pensar no que dizer a seguir.
- Acho que a melhor maneira de começares a interiorizar esta informação toda é saberes tudo o que tens a saber sobre o meu mundo.
- Parece-me bem… - disse Jaden, enquanto pegava em folhas e as rasgava, causando um barulho irritante.
Mas subitamente, as folhas que detinha nas suas mãos pareceram queimar-se, transformando-se em meras cinzas que não tardaram a escapar por entre os seus dedos.
- És capaz de prestar atenção?
- Mas eu estava a…
- Não interessa… - interrompeu Anon.
Encostou-se a uma árvore, sem deixar de fixar os olhos azuis-cinza de Jaden. Passados poucos segundos, como se tivesse acordado de um transe, recomeçou.
- Eu venho de um mundo muito diferente do teu… uma outra dimensão. As Dunas de Tariqq. Há anos atrás, as Dunas de Tariqq eram governadas pelo Rei Jareth, um governante muito estimado pelo meu povo. Ele era compreensivo, honesto, não ligava a sumptuosidades, e acima de tudo, amava o seu povo, e punha-o acima de qualquer coisa… excepto as suas duas filhas, é claro. Aquah e Radiah.


Jaden lembrou-se quase instantaneamente daqueles dois nomes. Tinham sido pronunciados por Anon e Abraxaz na noite anterior, antes de cair ao lago.
- Radiah é a filha mais velha, e Aquah a mais nova. Amadas incondicionalmente pelo Rei. Porém, ambas criaram um ódio recíproco, gerando uma competição e um confronto de ideias e mentalidades completamente antagónicas. Radiah começou a conquistar seguidores, virando-os contra a sua irmã.


«Porém, Aquah apenas se preocupava com o bem-estar do povo das Dunas de Tariqq, mesmo que este estivesse completamente contra si. Por outras palavras, o Rei Jareth tinha como filhas um Anjo… e um Demónio.


«Até que um dia, houve um golpe de que ninguém estava à espera. Radiah ficou tão obcecada em herdar o trono do seu pai, que organizou um motim que assolou toda a cidade governada pelo Rei Jareth. Criou exércitos muito poderosos que matavam e destruíam tudo o que se lhes atravessava no caminho. Gerou-se uma Batalha sem fim… armas de aço puro contra a inocência de um povo vulnerável. Mas essa invasão servia apenas de distração para o Rei Jareth. O que Radiah realmente queria, era matar o seu próprio pai, para subir ao trono e assim aniquilar Aquah, para ter o caminho completamente livre.
Jaden deteve-se por alguns instantes. Manteve a boca entreaberta, como se quisesse dizer alguma coisa e não conseguisse. Mas Anon parecia nem ter reparado na sua cara de espanto, e continuou o seu monólogo.
- Está claro que ela conseguiu o que queria. Bem, pelo menos… parte. Matou o seu pai, atraindo-o para uma emboscada. Mas, por uma razão que nos é desde então desconhecida, o trono, o palácio, até a própria areia do deserto que circundava o Reino viraram-se contra ela, impedindo-a de assumir o poder. Aí, a sua revolta assumiu um tamanho colossal, tornando-a cada vez mais vingativa, sangrenta e desumana.


- Porquê? – perguntou finalmente Jaden, qual criança a ouvir história da avó. – Porque é que ela ficou assim?
- Já esperava que perguntasses isso… - disse Anon, com um sorriso ligeiro. – Diz-me… se estivesses a planear algo há imenso tempo… dias, semanas, meses, talvez anos; e no fim não fosses bem sucedido, como é que reagirias?
- Não mataria os meus pais, de certeza…
- Concentra-te, Traham Suryah! Não vês? O ódio de Radiah pela sua irmã Aquah, a aparente razão por não conseguir subir ao trono, tornou-se cada vez maior, e nada a deterá enquanto ela não conseguir matá-la! Esta exaltação levou a que as Dunas de Tariqq se dividissem em dois reinos rivais: Melih Kibar, um reino governado pela tirania de Radiah, e Nau-Ashta, governada pela paz e espiritualidade de Aquah.
«Eu não aguentava ver o meu próprio lar dividido daquela forma, e vi-me no dever de fazer algo! Acreditar nas lendas…
- Lendas? – indagou Jaden, franzindo o sobrolho.


- Há muito tempo que se fala na existência de um Oráculo escrito pelo próprio criador das Dunas de Tariqq, Aleron Tariqq. Esse Oráculo contém a resposta para os nossos problemas! Contém algo já há muito profetizado, algo que nem sequer Radiah imagina. A Profecia Wyatt!
- Então porque é que não consultam esse Oráculo, ou lá o que é? – perguntou Jaden, desinteressado.
- O Oráculo tem estado desaparecido… nem se sabe sequer a sua forma, a sua cor... se é realmente um manuscrito ou apenas uma frase… Desapareceu sem deixar rasto.
- Oh… que chatice… - lamentou Jaden, ironicamente.
Mas Anon não pareceu incomodar-se com aquela frase sarcástica, e apenas se limitou a sorrir levemente para Jaden, olhando-o nos olhos.
- E é aqui que tu entras, Jaden…


Por segundos, Jaden permaneceu petrificado, a olhar para o solo coberto por uma manta de folhas secas. Algo dentro de si revolveu-lhe o estômago, dilacerando-o por completo. O que se estaria a passar consigo?
- Eu?
- Sim… tu. Apenas tu podes encontrar o Oráculo, Jaden…
- Porquê eu? Tenho algum mapa, é?
- Não sejas ignorante, rapaz! – Anon parecia um homem de 50 anos a falar, como se Jaden não passasse de uma criança. – Mas isso eu vou explicar-te no nosso próximo encontro, que, para que fiques a saber, trará muito mais informação do que esta. Isto apenas serviu para te localizar no espaço e no tempo.
- Ótimo… posso-me ir embora?
Anon fitou-o, agora sem sinal de paciência no seu olhar enfurecido, assemelhando-se ao de Thomas.
- É bom que mudes de atitude! Amanhã quero-te aqui à mesma hora.


Contudo, Jaden virou-lhe as costas e perfurou o mato com as mãos preguiçosamente metidas nos bolsos do seu casaco. Apesar de não querer demonstrar interesse algum, algo no seu íntimo o fizera não tirar os olhos de Anon, nem dispersar a sua atenção daquela história. Dentro de si debatiam-se ainda mais perguntas do que as que já tinha do dia anterior, e embora se sentisse tentado a perguntar a Anon, achava que apenas uma pessoa conseguia procurar as respostas: ele próprio.

34º Capítulo - Uma Decisão Acertada


Na manhã seguinte, Jaden levantou-se mais cedo para não ter que encarar os seus pais ao pequeno-almoço. Com certeza que lhe iam questionar sobre o facto de ter vindo mais cedo da cerimónia, coisa que não estava de longe disposto, embora soubesse que não os podia evitar para sempre. Mal pôs o pé na rua, sentiu um frio enorme a impregnar-se no seu corpo, lembrando-o da sua queda no lago da floresta. Esse momento lembrou-lhe do convite de Anon ao qual Jaden ainda não tinha respondido. Embora pensasse que a decisão seria óbvia (um Não), ainda dava por si a ponderar melhor. Será que se fosse ter com ele ficaria a saber tudo o que precisava? A marca, a sua força inexplicável no dia do acidente… tudo aquilo devia ter uma explicação, que só podia ser dada por uma pessoa: o rapaz de cabelos prateados.
Mergulhado nos seus pensamentos, pareceu dar apenas três passos e já estava junto da universidade, a avistar alunos a chegarem nos seus carros ou motas. Daisy fora exceção, pois, tal como Jaden, chegara à escola a pé.
- Então, ‘mor? – cumprimentou Daisy, dando-lhe um beijo. – Ontem foste-te embora, eu fiquei mesmo sem perceber nada! O que é que se passou contigo?
- Não foi nada de especial, não precisas de ficar preocupada! Foi o que eu disse à professora, tropecei e caí quando tinha ido lá fora apanhar ar.


- Tens a certeza?
- Sim! Bem, vamos? Já estamos atrasados.
Jaden viu-se obrigado a mentir a Daisy. Não queria explicar-lhe o que tinha acontecido naquela noite, pelo simples facto de ser anormalmente assustador voltar a lembrar-se da imagem do tigre selvagem mesmo sem cima de si.
O dia passou-se sem nenhuma agitação. Como era de esperar, Jaden já não avistava Thomas em nenhuma esquina a olhá-lo com a sua expressão apática, o que, de certo modo, o deixava mais apaziguado. Mas Thomas – ou Abraxaz – não era o único a fazer notar a sua ausência. Nathan também não tinha aparecido naquele dia, pelo que Jaden pensou que o amigo estaria de cama por uma congestão de croquetes e ponche de cereja. À hora de almoço, todos os alunos comentavam a noite espetacular que tinham tido, menos Jaden. Pelo contrário, tentava esquecê-la por completo. Contudo, Daisy fazia questão de o lembrar.
- Meu Deus, enquanto estiveste fora eu fartei-me de responder àqueles jornalistas estúpidos! O pior é que não queriam saber de mim nem dos meus estudos, mas sim dos futuros negócios do meu pai. É claro que eu me recusei a responder a perguntas que são supostas ninguém saber! Mas não deixo de ficar enervada!


- São uns interesseiros… é o que é… - disse Jaden, vagamente, remexendo com o garfo no seu puré de batata.
- O que é que se passa contigo? Estás muito calado! – proferiu Daisy, limpando graciosamente a boca a um guardanapo cor-de-rosa que Jaden não fazia ideia onde o tinha arranjado.
- É normal, não é? Não tenho nada a dizer sobre a noite anterior… estive ausente quase toda a cerimónia.
- Mas deves lembrar-te de pelo menos uma coisa, não? – perguntou Daisy, apontando o seu dedo para os lábios de Jaden.
Este sorriu, e respondeu:
- Claro… acho que foi o auge da minha noite…
Passados alguns instantes, e tal como Jaden previra, Daisy olhou em volta à procura de Nathan, que nem sequer para o almoço tinha aparecido, mesmo sendo iogurte de morango como sobremesa.
- Onde é que está o Nathan? – perguntou Daisy, com uma indiferença pouco convincente.


- Não sei… provavelmente ele não veio hoje.
- Ah, pois… ressaca de rissóis e de ponche. Sabes, não sei bem porquê, mas ontem à noite ele estava estranho… fui falar com ele uma vez, e ele quase que me virou as costas.
O tom de voz de Daisy expressara nitidamente o quão reticente ela estava em desabafar ou não o que acabara de dizer. Olhava Jaden com uma espécie de curiosidade assustada e começava já a apresentar sinais de arrependimento quando este sugeriu:
- Se calhar gosta de ti.
Daisy franziu o sobrolho até as sobrancelhas parecerem uma só, bastante comprida, e simulou um arrepio.
- Vira essa boca para lá! Nem pensar!
E dito isto, ferrou furiosamente um murro no antebraço direito de Jaden. Este gemeu, a testa subitamente húmida e os seus dentes cerrados tentando conter a dor.
- Jaden desculpa! Desculpa, não te queria magoar! – Lamentou ela, com as duas mãos à frente da boca num gesto de choque.
- Não faz mal, isto já passa… - murmurou ele, agarrado ao antebraço, ainda a suar avidamente.
- Deixa-me ver, talvez seja melhor pores gelo para isso não inchar…
Jaden ainda tentou impedir a amiga de observar o seu antebraço, mas sem qualquer sucesso. Arregaçou-lhe energicamente a manga, e o que viu não era, definitivamente, uma consequência da sua fúria. No seu braço direito estavam quatro cicatrizes paralelamente esculpidas na sua pele avermelhada. Daisy soltou um pequeno guincho histérico ao deparar-se com aquela imagem.
- O que é isto???
- Nada… fui eu que me cortei. Já há muito tempo…


- Curioso… nunca vi essa cicatriz quando usavas manga curta no verão… - observou Daisy, com uma expressão desconfiada.
- Isso é porque nunca te deste ao trabalho de reparar. Bem, vamos? Eu levo-te a casa.
Embora reticente, e mantendo a sua expressão severamente desconfiada, Daisy levantou-se e aceitou a companhia de Jaden. Tinha um lugar para ir depois de levar a namorada a casa, embora achasse a sua decisão completamente estapafúrdia.

33º Capítulo – Pensamentos


Jaden voltou para a cerimónia depois de ter conseguido, ou apenas tentado, assimilar tudo o que se tinha passado na floresta. Não sabia o que pensar, nem o que fazer perante aquele convite de Anon. Seria aquilo um sonho? Uma brincadeira? Ou tudo aquilo tinha sido real? Thomas não ser quem ele pensava que era, e transformar-se num tigre selvagem, tentando torna-lo mais uma vítima dos inúmeros homicídios que tinham ocorrido na cidade. Depois aparecer um rapaz que lhe diz que tem um dom especial, e que nem sequer é humano?
No meio daquela tempestade elétrica de pensamentos, ideias e expeculações, nem tinha reparado que já tinha chegado à porta de universidade. De lá de dentro ouvia-se uma música clássica que revolvera as suas entranhas. Entrou no salão, sentindo todos os olhos postos em si.
- Onde é que estiveste? Olha para tua cara! Olha para a tua roupa! – Daisy ficou embasbacada ao ver a figura de Jaden. A sua cara estava meia suja de terra, a camisa estava manchada e meia rasgada e o cabelo descomposto. – O que é que te aconteceu? – Insistiu Daisy, puxando-o para um canto onde ninguém os pudesse ver.


- É uma longa história… - respondeu Jaden, o seu peito a arfar incessantemente. – Se te contasse não acreditarias…
- Mesmo assim… conta-me!
Jaden suspirou impacientemente, enquanto esfregava a cara, levando manchas de terra à sua mão. Nesse instante, surgiu a professora de Contabilidade, com o seu vestido longo de pele a rastejar pelo chão, e um chapéu enorme.
- Ah, ainda bem que a encontro menina Hudson, tenho andado à sua procura, os jornalistas querem… CÉUS! O que é que lhe aconteceu rapaz?
Jaden mirou a professora com um olhar cansado, porém, a sua voz saiu-lhe mais avidamente do que nunca.
- Caí… eu vou para casa…
- Já? Mas ainda é tão cedo! – exclamou Daisy, desapontada, recebendo tristemente o beijo carinhoso de Jaden, pelo que a professora virou rapidamente o olhar para uma jarra exposta ali perto.
Porém, Jaden limitou-se a não responder, e a perfurar novamente os inúmeros grupos de estudantes que se viam obrigados a interromper as suas conversas ou as suas danças, para mirarem o rapaz todo sujo e descomposto. Tal como esperava, quando chegou a casa, as luzes ainda estavam acesas, pelo que percebera que era realmente muito cedo.
- Filho? – inquiriu a mãe, acordando de um sono leve no sofá. – Já chegaste? Mas que horas são?
- Eu… eu vim mais cedo. Não me estava a sentir muito bem…
- Então? Queres que eu te prepare um chá? – Devido à sua sonolência, nem tinha reparado no estado do filho, pelo que Jaden aproveitou para se dirigir lentamente para o quarto.
- Não, isto… isto passa. Bebi uns copos a mais, só isso… - mentiu.
- E falas disso com a maior naturalidade! Jaden, sabes que para te divertires não é preciso beberes!


Mas entretanto, a porta do seu quarto fechara-se, e a voz da sua mãe cessou. Tinha a cabeça a latejar, tal como a marca e o braço perfeitamente cicatrizado. Deitou-se na cama e fechou os olhos energeticamente. Nem podia acreditar no que lhe tinha acontecido naquela noite. Por alguns instantes, a frase de Anon veio-lhe à cabeça, submergindo a sua mente por completo.
“Vem ter comigo, e eu explicar-te-ei tudo o que tu precisas de saber para… acreditares… “


Olhou para o seu braço esquerdo, vislumbrando a marca em forma de espiral. Já não se debatia, nem se contorcia. Encontrava-se quieta como sempre estivera há dias atrás, nem mudar de cor, nem de forma. Seria aquilo verdade? Será que possuía realmente um dom que lhe era desconhecido até então? Foi então que se lembrou do dia em que atirou o seu colega contra o muro. Não seria qualquer pessoa a conseguir atirá-lo para dez metros de distância… nem seria qualquer pessoa a ter uma marca de nascença tão invulgar. Estariam aqueles acontecimentos relacionados?
Incalculáveis questões sem resposta debatiam-se no seu íntimo, fazendo a sua cabeça latejar ainda mais. Encolheu-se na cama, e só se tornou a levantar quando o sol espreitou pela ínfima fresta de estore aberta.



32º Capítulo – A Mensagem de Anon


A consciência de Jaden pareceu recuperar de um sono que pareceu durar dias. Encontrava-se deitado sobre uma mistura de relva húmida e folhas secas que caiam constantemente das árvores. Um vento gélido fustigou-lhe o rosto, assim como o resto do corpo. Não se atreveu a abrir os olhos, preferia mantê-los fechados enquanto dois homens lutavam até à morte. Mas nesse instante reparou no silêncio que cobria todos aqueles troncos de árvores e arbustos. O ambiente parecia mais apaziguado sem nenhum sinal de luta. Assim como o sítio onde se encontrava deitado; havia talvez horas em que ele estivera mergulhado num lago gelado e escuro. Tinha sido resgatado.


Abriu lentamente os olhos, e viu a imagem turva de uma pequena fogueira a crepitar freneticamente. Ao lado dessa tenda, encontrava-se um rapaz corpulento, o que Jaden tinha visto antes de desmaiar, mas com um ar mais calmo e uma expressão mais vazia e indiferente, fazendo-o lembrar-se de Thomas. Quando se levantou, fez estalar uns galhos que se encontravam mesmo ali ao pé, fazendo o rapaz de cabelos prateados virar-se repentinamente para trás. Contudo, não teve reação, e apenas disse:
- Vejo que já acordaste… - e voltou a remexer nas chamas da fogueira com um pau.
Jaden caminhou em volta da fogueira, de maneira a sentar-se em frente ao rapaz.
- Q-quem és tu?
- Aquele que acabou de te salvar a vida. – Perante a expressão confusa de Jaden, sorriu levemente e apresentou-se – Chamo-me Anon. E presumo que tu te chames Jaden Lory, não é verdade?


- Sim… como é que sabes o meu nome?
- O teu amigo Nathan não era o único a desconfiar do ‘Thomas’ que mais tarde vieste a saber que se chamava Abraxaz e que quase te matou…
- Você tem estado a…
- Espiar-te? Não sei que tipo de significado é que vocês, humanos, dão a essa palavra tão complexa, mas se é o que eu estou a pensar… sim, estava.
Jaden abanou energeticamente a cabeça. Dentro de si debatia-se uma pergunta que insistia em manter-se na sua mente: porque haveria um rapaz chamar as pessoas de humanos quando ele era um?
- Eu não sou humano – elucidou Anon, como se lhe tivesse lido os pensamentos.
- Isto é alguma brincadeira? – perguntou Jaden, rudemente.
Fez-se uma longa pausa, ouvindo-se apenas o crepitar frenético da fogueira no meio deles. De seguida, uma pequena gargalhada irrompeu de Anon.
- Olha para o teu braço direito…
- O quê?


- Olha para o teu braço direito… - repetiu Anon, impaciente.
Jaden olhou para o seu braço e arregaçou a manga da sua camisa, que já não se encontrava rasgada pelas garras do tigre que o tinha ferido. Tal como o tecido, a sua ferida já não jorrava sangue nem se encontrava profundamente aberta. No seu lugar estavam apenas quatro cicatrizes, como se já lá estivessem há imensos anos.
- Mas…
- Pensas que um médico a conseguia cicatrizar num espaço de uma hora?
- E… e ainda agora estavam aqui um… tigre… e um leopardo! A lutarem!
- O leopardo era eu, não sei se te lembras, depois eu assumi a minha forma original para não teres um ataque cardíaco. Tal como o Abraxaz.
- Quem? – inquiriu Jaden, confuso.
Anon fez uma expressão ainda mais impaciente e ameaçadora.
- Será que a queda ao lago te provocou falta de memória? De qualquer das formas eu volto a repetir: aquele que tu pensavas que era o Thomas, era o Abraxaz! Um amante de arqui-inimiga do meu povo, que veio aqui a seu mando para te matar.
- A mim? Porquê? Porquê eu?
- Tu vives num mundo sustentado por crimes, como é que és capaz de te questionares porquê que alguém te quis matar? Estou a ver que ainda vais ter de aprender muito.


Seguiu-se outra longa pausa. Anon permanecia a remexer nas chamas com um pau, sem proferir uma palavra, como se estivesse à espera de mais perguntas vindas de Jaden.
- Então… - recomeçou Jaden, de repente – Foi o Thomas que provocou todos estes homicídios aqui na cidade? Ele disse-me qualquer coisa quando… quando se transformou… naquilo…
- Num tigre? – completou Anon, com um sorriso na cara, como se estivesse a ver um programa de anedotas, sendo Jaden o humorista. – Sim, foi ele. Tal como eu, o Abraxaz, a quem tu ainda chamas Thomas, não pertence a este mundo… ao teu mundo. Daí a sentir-se mais fraco e vulnerável. Contudo, ele arranjou um método eficaz de recuperar energias para te conseguir perseguir todo este tempo: o sofrimento. Ele alimentava-se do sofrimento bizarro das pessoas, só assim é que ele podia ter energia suficiente para conseguir assumir a forma de uma pessoa que nem sequer existe.
Jaden esfregou os olhos, perplexo, abanando a cabeça vezes e vezes sem conta.
- Só podem estar a brincar comigo! – exclamou, a rir-se, qual humorista a rir-se da sua própria piada. – Então quer dizer que tu és de outra dimensão? – soltou outra gargalhada. – Agora é oficial: estão a gozar comigo. Ou então eu estou a ficar maluco…
Contudo, Anon olhava-o com uma expressão de indiferença, como se já estivesse à espera daquela reação.
- Aqui ninguém está a gozar contigo, Traham Suryah!
- Por favor, para de me chamar isso! Porque é que me chamam assim? Eu tenho um nome…
- A outra dimensão, como tu dizes, é real! E tu pertences a ela! – Anon apontou para o braço esquerdo de Jaden. Este vislumbrou a sua mácula azulada com uma espiral a contorcer-se contra a pele, agora mais do que nunca. – Tu pensas que isso é uma mera marca de nascença?
- Não contestes um dermatologista… - disse Jaden, sem nexo.
- E tu não contestes a minha própria cultura! Tu tens um poder Jaden, um poder que mais ninguém no meu mundo tem!
- Sim, sim… Vai-me contando histórias de terror, só faltavam aqui tendinhas e Escuteiros… - Jaden levantou-se e começou a olhar para a luz da lua, que banhava todas aquelas árvores e o lago da clareira com um manto prateado brilhante.
Por sua vez, Anon também se levantou, forçando Jaden a virar-se para a fogueira.
- Mas tu pensas que eu estou aqui a gastar o meu tempo só para contar uma história a um rapaz? Se eu estou aqui é por alguma razão. Tu tens um poder especial Jaden, ou pensas que o teu amiguinho ia contra aquele muro a dez metros de distância, quase a voar, por vontade própria?
- Foi um acidente…


- Provocado por essa marca! Tu não consegues controlar os teus poderes… ainda.
- Que queres dizer com isso?
- Vais aprender a controlá-los… e eu serei um dos teus professores.
- Olha, mas tu pensas o quê? Que eu vou acreditar nessa história? Sim! É uma história!
- Um rapaz em quem tu pensavas que podias confiar transformar-se num tigre mesmo defronte a ti e tentar matar-te, não me parece uma história para adormecer! – vociferou Anon, encarando Jaden com o seu olhar azulado.
- Eu nem sei se isso é real… posso muito bem estar a sonhar!
Ao ouvir aquelas palavras, Anon encaminhou-se bruscamente para a fogueira e alteou as mãos. Destas, irromperam duas chamas incandescentes, que foram cair nas já existentes, fazendo a fogueira aumentar rapidamente de volume.
Jaden permaneceu petrificado, com os olhos extremamente abertos, a olhar para aquela fogueira tão colossal, outrora pequena e insignificante.
- Amanhã vem ter comigo a esta floresta, depois das tuas aulas… - proferiu Anon, numa voz serena. – Vem ter comigo, e eu explicar-te-ei tudo o que tu precisas de saber para… acreditares…
E com isto, a fogueira apagou-se subitamente, e Anon desapareceu no meio de escuridão, deixando Jaden sozinho, completamente desorientado.

31º Capítulo: O Tigre e o Leopardo (Parte II)



Mas subitamente, sentiu o seu corpo a ser empurrado mesmo para a beira de um lago gelado, que se estendia ao longo da clareira do bosque. Virou-se para trás, e lá estava ele: um tigre quase do tamanho de um cavalo. As suas garras enterraram-se na carne do seu braço direito, rasgando-a, qual sangue a brotar infinitamente. Jaden soltou um grito de dor, passando a mão pelo seu braço ferido. Os olhos do tigre estavam raiados de sangue, e o seu pelo anormalmente grande roçava no seu rosto. O seu coração começou a chocalhar contra o peito, e o som da sua respiração descompassada era abafado pelo rugido do tigre que lhe ensurdecia os ouvidos.


- Mas… o que… o que é que… - balbuciou Jaden, a arfar, enquanto tentava a todo o custo estancar o sangue que lhe jorrava dos quatro arranhões profundos feitos pelas garras do tigre.
Contudo, o animal não respondeu. Em vez disso, olhava-o com uma expressão feroz, mas ao mesmo tempo satisfeita. Um riso malévolo acompanhado de outro rugido saiu-lhe da sua boca cheia de dentes afiados.
- Sim, Traham Suryah, sou eu… o Thomas. Ou talvez não seja mesmo ele!
- Tra… o quê? Mas o que é que… um tigre… fala… não me faças mal! Ai! – a sua pata enorme calcou no braço ferido da Jaden, sentindo-o dormente pelo frio que se impregnava por debaixo da camisa fina do seu fato.
- Imagina só! Imagina o que os teus amigos vão achar quando nunca mais apareceres! Vão desconfiar… vão achar que estás finalmente por entre as vítimas dos homicídios…
- F-foste… foste tu? NÃO! – uma espécie de choque elétrico percorreu o seu corpo, tornando-o ainda mais fraco e vulnerável.
- Pensa só como é que ela me vai gratificar, quando eu lhe disser que matei o Traham Suryah no seu próprio mundo!
E com isto, ergueu a sua pata, quais garras pontiagudas a saírem dos seus dedos gordos.
- NÃO! NÃOOO!
Contudo, nesse momento, o tigre alteou bruscamente a cabeça, olhando em frente. Jaden olhou para cima, e outro animal, mais elegante e majestoso, sobrevoou o lago e atirou o tigre contra um pinheiro ali perto. Com um rugido feroz, pôs-se de pé. O rapaz colocou-se de pé também, não tirando a mão do seu braço. Diante de si, encontravam-se um tigre – aquele que Jaden outrora pensara que era um rapaz normal chamado Thomas – e um leopardo, do mesmo tamanho, mas com uma pelagem mais curta e uns olhos azuis-claros extremamente brilhantes.


Movimentavam-se em círculos, de olhos fixos um no outro, prestes a atacarem-se mutuamente. Porém, não aconteceu nada. Em vez disso, os dois felinos puseram-se de pé, e assumiram de novo a forma humana. O leopardo transformara-se num rapaz alto e musculado, com uma roupa muito invulgar, de cabelo prateado com reflexos azuis brilhantes, e olhos claros e rasgados. O tigre, que Jaden esperara que se transformasse novamente no rapaz loiro de expressão apática, assumiu a forma de um homem com os seus 40 anos, de olhos e cabelo com clarões vermelhos.


- Abraxaz…! – vociferou o rapaz de cabelo prateado, a sua voz era tão graúda como o resto do seu corpo.
- Ora ora… se não é o moço de recados da Aquah… Anon – respondeu o homem de nome Abraxaz, outrora Thomas.
Jaden esfregou os olhos. «Aquah», «Abraxaz», «Traham Suryah». Todos estes nomes eram-lhe totalmente desconhecidos. Por uma fração de segundo, pensou que estaria a sonhar, mas a dor aguda vinda da ferida do seu braço fizera-lhe perceber que aquilo era tão real como os dois homens que descreviam um circulo quase perfeito à sua frente.
- Eu sabia que mais tarde ou mais cedo ela te mandaria aqui… Afinal eu não sou o único moço de recados, não é?
- Não me subestimes, rapazito! Posso matar-te numa mera questão de segundos! Depois o Traham Suryah.
- Não te atrevas a tocar-lhe! Sabes que a tua amada Radiah o quer vivo, não sabes? Para quê matá-lo, para depois também acabares como ele quando ela souber que desempenhaste mal a tua tarefa?
O homem de olhos vermelhos hesitou, mas tentou não demonstrar o seu receio, remetendo-se ao silêncio.
- Então? Como é? Ficamos aqui a conversar, ou vamos partir para a ação? – perguntou o rapaz de cabelos prateados, num tom de desafio.
- Depois de acabar contigo, levo o Traham Suryah. Aí, Radiah saberá o que fazer!
E com isto, um raio de luz vermelha irrompeu da mão do homem. Por sua vez, o rapaz corpulento fez um movimento repentino com os braços, e lançou uma rajada de vento enorme contra o corpo de Jaden, fazendo-o desequilibrar-se e cair no lago gelado.



A água fria entranhou-se pelo seu fato, percorrendo todo o seu corpo. Ao cimo da água, clarões de luz multicores eclodiam de todos os lados, juntamente com gritos de guerra. E de seguida, as suas pálpebras começaram a pesar-lhe cada vez mais, fazendo com que tudo desaparecesse no meio da escuridão.

30º Capítulo - O Tigre e o Leopardo (Parte I)



Passados alguns segundos que para Jaden pareceram horas ou talvez mesmo dias, os seus lábios e os de Daisy descolaram-se, enquanto a música acabava lentamente e os convidados dispersavam pela pista de dança. Sorriram um para o outro, porém com um olhar meio adormecido e apaixonado. Sentiu um calor a subir-lhe pelo peito acima, enquanto se encaminhavam para fora da pista de dança.


- Não posso crer! – exclamou um homem de cabelo no ar e com uns óculos estranhamente postos. – Daisy Hudson! A filha de Brock Hudson, o empresário mais famoso de todos os tempos!
Daisy corou rapidamente, mordendo o lábio com vergonha.
- S-sim, sou eu…
E nesse instante, jornalistas apareceram em massa do nada, disparando flashes para a cara de tom escarlate de Daisy. Jaden afastou-se, espremendo-se por entre a multidão de jornalistas que cercavam a namorada como se esta fosse uma super estrela.
Quando se conseguiu livrar daquele mar de gente, dirigiu-se para o buffet, onde brilhavam taças enormes de ponches de todas as cores e aperitivos com um aspeto delicioso. Olhou em redor na esperança de encontrar Nathan, mas sem sucesso. Este tinha desaparecido subitamente sem deixar rasto.
O ambiente naquele Hall ia-se tornando cada vez mais sufocante, com a entrada progressiva de convidados e professores universitários que, mal entravam, eram logo cercados por jornalistas que os bombardeavam com perguntas. Jaden saiu pela porta da frente, onde pendiam uma espécie de luzes de natal e outros adornos banhados a ouro, e encaminhou-se para o pátio da entrada.
- Olá, Jaden – cumprimentou Thomas, surgindo de repente.


- Olá – retribuiu ele, sentindo-se de repente pouco á vontade.
Todos os convidados que restavam naquele pátio já se tinham dirigido para o interior da Universidade, que era onde supostamente devia estar. Ficou a pensar nas palavras que Nathan lhe diria, se soubesse que estava a falar com o ‘rapaz estranho’. Já este olhava-o com uma estranha expressão de desconfiança, os olhos semicerrados e o queixo ligeiramente levantado.
- Ainda não tivemos oportunidade para falar sem interrupções – murmurou Thomas, apontando indiscretamente o queixo para Nathan, que cheirava um rissol de uma maneira bastante cómica, fazendo Jaden suspirar por finalmente ter encontrado Nathan, pelo que lhe dera a sensação que este se escondera de si no momento em que se encontrava perto das mesas de buffet. – Estás a gostar da cerimónia?


Jaden sorriu sem mostrar os dentes, e tentou impedir que a sua voz soasse antipática e fria, sem, no entanto, grandes resultados:
- Estou… e tu?
- Também. Está a ser muito agradável – afirmou Thomas, de uma forma estranhamente formal. Parecia ter quarenta anos e não vinte.
- Pois… Estás a tirar que curso? – Perguntou Jaden, vagamente.
Fez-se silêncio durante alguns segundos. Thomas quebrou-o, deixando transparecer alguma irritação:
- O mesmo que tu.
Jaden deteve-se abruptamente perante aquela resposta conturbada. Tinha a certeza que nunca falara a Thomas do seu curso. Da única vez que haviam estado juntos, a conversa acabara numa pequena discussão sobre a ‘Sala do Museu’. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. De repente, a temperatura baixara imenso, e Jaden não tardou a perceber porquê.


Para lá dos seus olhos, estendia-se uma imensidão de árvores e arbustos, de todos os feitios. O chão que trilhava era terra, com folhas e galhos à mistura; quando Jaden os pisava, provocavam um som idêntico às batatas fritas a serem esmagadas. Num raio de dez metros, não se via rigorosamente mais nada para além da florestação.
- O que é que nós estamos aqui a fazer?! – exclamou Jaden, sentindo-se bastante intimidado por aquele par de olhos azuis que o observavam fixamente. Estes pareciam emanar uma pequena luz no meio do negrume denso que serpenteava os troncos das árvores.


- A dar um passeio… - respondeu Thomas, calmamente, e com um tom de indiferença na voz.
- Eu vou-me mas é embora… - bradou Jaden, bruscamente, antes de ser impedido por Thomas, que lhe apertou o braço com uma força enorme - LARGA-ME! Freak!
Aquela última palavra inquietou Thomas, fazendo-o largar o braço de Jaden rapidamente. Olhou-o com uma ferocidade ainda mais assustadora que há dias atrás, e os seus olhos outrora azuis denotavam um tom avermelhado e fosco. Soltou uma gargalhada de escárnio.
- Vê lá como me falas, Jaden…
- Eu falo como me apetecer! – respondeu, com um tom destemido na voz mas a recuar ligeiramente o passo. Sentia um misto de irritação e medo a comprimir-lhe o peito, perante aquele olhar de Thomas que mudara subitamente de cor.
- Não me parece, Traham Suryah! É melhor amansares-te senão a tua vida acaba aqui num instante.
Aquelas palavras que Thomas proferira, como forma de o alcunhar, fizeram com que o coração de Jaden disparasse abruptamente. Lembrou-se então no dia em que estivera na ‘sala do Museu’ em que ouvira vozes a falar numa língua estranha. Uma delas proferira exatamente esse nome. Mas os seus pensamentos foram logo quebrados com um grito de Thomas, qual porco em agonia. De repente, o seu corpo elevara-se do chão, e toda a carne existente nele parecia estar a ser sugada, tal eram os ossos que se salientavam. A sua pele ficou num tom alaranjado, e as pupilas dos seus olhos reduziam-se num pequeno risco preto. Foi então que da sua cabeça irromperam uma espécie de orelhas pontiagudas, e dos seus braços uma pelagem da cor de fogo listrada.
Mas Jaden não viu mais nada a não ser árvores à sua frente, pois tinha fugido antes que Thomas lhe pudesse eventualmente agredir.


Perfurou corajosa, porém hesitantemente, o negrume que se estendia por entre a florestação. Atrás de si conseguia ouvir um rugido sonoramente rouco e altivo, assemelhando-se ao de um leão. Este aproximava-se cada vez mais, pois o som dos galhos a serem fendidos pelo que pareciam ser patas enormes, intensificava-se progressivamente. Correu com todas as suas forças, o seu coração parecia que lhe saia pela boca, e o pouco que tinha comido na cerimónia parecia ondular no seu estômago como se estivesse prestes a vomitar. Os passos acelerados do animal que o perseguia aproximavam-se cada vez mais, e Jaden, temendo pela vida, gritou por socorro na esperança que alguém o ouvisse, mas sem sucesso. Estava sozinho na floresta com um monstro que nem sequer tinha coragem de encarar, olhando sempre em frente e correndo o quanto as suas pernas lhe permitiam.

29º Capítulo – Uma Noite Quente de Inverno


Na manhã seguinte, o dia despertou solarengo e ameno. Jaden acordara com a cabeça caída sobre um livro que mais parecia uma Bíblia. A dor que sentia no pescoço era quase tão forte como a que sentia no braço. Estava com a mesma roupa que a noite anterior, e o seu cabelo estava ainda mais descomposto do que o habitual.
O manhã preenchida por aulas e exames pareceu nem custar muito a passar, pois o ambiente festivo e jovial que percorria os corredores e átrios da universidade apenas convidava a descontração. Quem se encontrava especialmente entusiasmada com a noite tão especial que iam ter era Daisy, e nem com os comentários absurdos de Nathan ficava mal disposta. Por outro lado, depois de um dia cheio de exames e trabalhos de pesquisa, a única coisa que Jaden queria fazer era deitar-se na sua cama e adormecer, para apenas acordar no dia seguinte.
Quando chegou a casa, já o sol se estava quase a pôr. Ainda faltavam muitas horas para a festa, por isso deitou-se no sofá a ver televisão, à espera que chegasse o momento. E para seu espanto, esse instante chegou mais rápido do que imaginava. Começou a vestir-se à mesma hora que Daisy ou qualquer outra rapariga estaria provavelmente a arranjar-se. Embora não confessasse isso para ninguém, a verdade é que o primeiro baile de gala desse ano representava muito para si. Além disso, o ambiente formalmente festivo ia ajudá-lo a desanuviar dos acontecimentos que o tinham vindo a destabilizar ao longo dos tempos.
Desempacotou a gravata nova que a mãe fizera questão de lhe comprar. Olhou-se ao espelho e, sem dar por si, começou a pensar em Nathan. Não conseguia imaginá-lo de fato. Era um grande contraste entre a vestimenta formal e a sua expressão infantil. Também não acreditava que o amigo fosse levar uma das suas t-shirts abonecadas, muito pouco ortodoxas para a cerimónia. Deu uma gargalhada bem-disposta ao imaginá-lo nessas figuras e voltou a mirar-se ao espelho, sendo interrompido pela sua mãe:
- Oh, estás tão, tão bonito, filho!
A mãe de Jaden avançou a passos largos pelo quarto, tão emocionada que se diria à beira de lágrimas.
- Há tão pouco tempo tinhas 6 aninhos e ias pela primeira vez à escola e agora... agora tens 20 anos e estás na universidade. E eu não tenho mais que te ajudar a fazer os trabalhos de casa ou…
- Mãe, já chega… – pediu Jaden, embaraçado.


A mãe endireitou a gravata do filho e apertou-lhe as bochechas por brincadeira. Tinha um brilho nos olhos que não lhe era comum. Parecia um raio de sol num dia quente de verão. E o seu sorriso, doce e verdadeiro, fez Jaden sorrir também.
Quando saiu de casa, reparou que a noite se encontrava muito mais fria do que aparentava estar. Um ar gelado penetrou no tecido fino e ligeiro das suas calças vincadas e do seu casaco que apenas servia para enfeitar, e não para agasalhar. Contudo, quando chegou à Universidade, agora muito mais iluminada, o ambiente pareceu aquecer subitamente. Daisy encontrava-se à porta, com um vestido extremamente elegante, de um vermelho vivo com ligeiros floreados salientes.


- Bem… tu estás… - gaguejou Jaden, chegando-se perto da amiga que, naquele momento, mostrara uma beleza inigualável que nunca antes reparara – gira…
- Obrigada! – exclamou Daisy, corada, olhando para o fato de Jaden. – Tu também estás jeitoso! Oh meu Deus… olha quem aí vem!
Jaden olhou para trás, para onde o olhar aterrorizado de Daisy apontava. Ao longe, porém a aproximar-se rapidamente, encontrava-se um rapaz ruivo com uma roupa não muito formal, mas ao mesmo tempo elegante e usada.


- Nathan? – perguntou Jaden, com um riso genuíno.
- Sim, sou eu! Que tal estou? – até a sua voz se apresentava diferente. O seu olhar brilhava para Daisy, como se estivesse à espera de um elogio vindo de si.
- Normal… para uma festa de gala diria que até estás um pouco… banal – e riu-se alegremente, dando uma palmadinha no ombro de Nathan. – Estava a brincar, estás giro! Aliás, vocês os dois estão!
- E tu também não estás nada má, deixa que te diga! Bem… wow, não sabia que tinhas umas pernas tão… - o ar pareceu desaparecer dos pulmões de Nathan nesse momento, como se estivesse prestes a ter um ataque cardíaco.
- É melhor não continuares mesmo! – vociferou Daisy, com veemência, e de seguida entraram os três no átrio da entrada.
Este encontrava-se quase irreconhecível. A decoração moderna de outrora tinha sido substituída por uma mais sumptuosa e ousada. No chão estendiam-se tapeçarias em tons vermelhos-escuros, com padrões abstractos. Havia estátuas a ladear as longas escadarias da entrada, que davam acesso às salas de aula, e no centro a fonte interior que, em dias normais, nem uma gota brotava, estava agora num movimento tão agitado como o ambiente daquele átrio. Toda a gente estava vestida a rigor, com copos de Uísque, vinho ou até champanhe na mão.
- Oh meu Deus! Vejam só aquele buffet! – exclamou Nathan, parecendo não ter reparado em mais nada naquela sala senão nas extensas filas de mesas cheias de comida e aperitivos.
E no momento em que o rapaz ruivo com uma expressão esfomeada abandonou os amigos, Daisy virou-se para Jaden, com os seus olhos azuis a brilhar à luz subtil dos candeeiros envoltos em cristais.
- Isto está lindo, não está?


- Está mesmo… - respondeu Jaden, olhando em redor com a boca entreaberta.
- Queres ir dançar? – propôs Daisy, com um sorriso na cara, ao ouvir uma música lenta a tocar.
- Hum… pode ser.
E juntos encaminharam-se para a pista de dança que se encontrava agora com mais gente do que o início, como se todos estivessem à espera de uma balada para dançar. Jaden pareceu esquecer tudo à sua volta, envolvendo o seu braço no tronco de Daisy e fixando os seus olhos que eram tão brilhantes como a decoração reluzente daquele átrio. De súbito, o sangue subiu-lhe à cabeça, pondo-o com uma cor escarlate no rosto, e quando deu por si, os seus lábios já tinham tocado nos da colega, sentindo a sua face a ficar também quente. Porém, nem um nem outro se mexeram, mesmo quando a música tinha acabado, Ambos permaneceram no mesmo sítio, abraçados um ao outro.



28º Capítulo – Preparativos


Nos dois dias que se seguiram, todos os alunos da universidade não falavam de outra coisa a não ser do baile de gala que se aproximava a olhos vistos. Os cartazes de anúncio, não só estampados nas paredes dos corredores, mas como também nas ruas e montras de lojas, faziam com que a inquietude aumentasse ainda mais. Contudo, embora o ambiente convidasse a descontração, os exames continuavam a ocupar quase todo horário de Jaden, Daisy, Nathan e todos os outros estudantes. Em todos os intervalos e furos que apanhavam, dirigiam-se, ora para a biblioteca, ora para o refeitório, para estudarem a três.
- Sabem o que é que eu estava a pensar? – disse Nathan, com um lápis estranhamente pendurado no ouvido.
- O quê? – perguntou Daisy, semicerrando os olhos.
- Podíamos convidar o Thomas para nos acompanhar no baile! Já que se podem formar grupos de convívio.


Jaden soltou uma gargalhada jovial, enquanto não tirava os olhos do seu caderno. Desde que fizera as pazes com Nathan que este não parava de o tentar agradar. Ora fazia questão de levar o seu tabuleiro para a mesa, abdicando do seu lugar na fila do refeitório, ora a bajular infinitamente o rapaz que outrora apenas conseguia apontar defeitos.
- Nathan, não precisas de me tentar agradar! Eu sei que continuas a não gostar dele. Além disso, ele nem tem aparecido mais, tem andado sumido.


- Pois é. Cá para mim ele anda a… não… NÃO! Eu não vou completar esta frase! – e com isto, voltou a enterrar-se na cadeira e a colocar um livro na vertical, para esconder o rosto.
Estavam a apenas 1 dia da festa, e os preparativos que se estendiam pela universidade fora faziam questão de se destacar nos corredores e átrios. Porém, por mais que quisessem abstrair-se, os professores faziam questão de avultar ainda mais a tensão, pois, para além dos exames, os alunos ainda tinham de apresentar relatórios anormalmente extensos e apresentar trabalhos de grupo, tudo nessa semana.
- Ai! Eu vou dar em doido! Daqui a nada rebento… tenho tantos exames! – queixava-se Nathan, a apertar a cabeça como se tivesse medo que esta explodisse literalmente.


- Não te queixes… - elucidou Daisy, com severidade. – Eu e o Jaden, para além dos exames, temos trabalhos de grupo e relatórios para entregar!
Nathan fez uma expressão de desprezo, e empinou o nariz, não dizendo nem uma palavra o resto do dia. No fim das aulas, Jaden suspirou de alívio por aquele dia tão longo ter chegado ao fim. Pegou na sua mota e dirigiu-se rapidamente para casa. Sentia o corpo extremamente cansado, e parecia não ter controlo sobre si próprio. Por seu turno, a marca que detinha no braço esquerdo continuava a arder e a debater-se contra a pele, como se houvesse algo no seu interior a puxá-la e a empurrá-la.
- Olá meu querido! – cumprimentou a sua mãe com um sorriso especialmente aberto.
- Olá mãe… - respondeu Jaden, lançando-lhe um olhar de desconfiança.
- Olha o que a mãe te comprou, lindinho! – tirou de um saco com um logótipo de uma marca extremamente cara e luxuosa, uma caixa de cartão dourado com uma fita de cetim a envolve-lo.
Jaden pegou na caixa e abriu-a. No seu interior, estava uma gravata azul-escura, fazendo com que as suas entranhas se envolvessem só de pensar em vesti-la.
- Uma gravata?


- Não é linda? Ai, estou tão orgulhosa!
- Não era preciso mãe. Podia usar a que levei na festa de gala do ano passado.
- Não, não podias! O que iam dizer os teus colegas ao verem que ias estar a levar a gravata do ano passado?
Jaden abriu a boca para ripostar, mas fechou-a de imediato, resignado. Não obstante, discordava totalmente com a sua mãe. Como se alguém fosse reparar, pensou.
- Põe-na no teu quarto, junto do teu fato. Já o passei a ferro. Depois vem para a mesa!
Ao jantar, o clima festivo e alegre que se impregnara lá em casa desapareceu por completo com o noticiário. A mãe mostrava-se extremamente incomodada com os homicídios e desaparecimentos que ocorriam de dia para dia, e naquela vez não fora exceção.
“Foi encontrado mais um corpo totalmente mutilado numa rua abandonada aqui em Coast City. A polícia mantém relatórios muito reservados…” A palavra relatórios lembrara Jaden que tinha de entregar um daí a dois dias, e ainda nem tinha começado. Contudo, nesse instante, concentrou-se nas notícias que se mostravam um tanto ou quanto mais reveladoras: “Contudo, os vizinhos afirmam ter presenciado a morte da vítima, mas não se lembram de como o homicídio ocorreu, nem de quem é que o praticou. As poucas testemunhas que mostram lembrar-se do sucedido também não adiantam muita informação, pois mostram-se confusas e até, em alguns casos, em pânico.”- Que horror! – murmurou a mãe, com o prato ligeiramente afastado de si, dando a entender que tinha perdido o apetite com aquela notícia. – Quando é que estes crimes acabam de uma vez por todas? Será que não podemos ter paz neste mundo?


- Não… - afirmou Jaden, com frieza. – Para estes homicídios bizarros acabarem é preciso saber quem os provocou. Mas ninguém sabe como, não é? Até lá é só ver pessoas a morrer completamente mutiladas.
- Jaden! – exclamou a mãe, com um falsete na voz. – Isso não se diz!
- É verdade, mãe! Bem, eu vou para o meu quarto, tenho um relatório da universidade para entregar; amanhã vai ser um longo dia.
E com isto, levantou-se da mesa e dirigiu-se para o seu quarto, não saindo de lá até ao dia seguinte.

27º Capítulo – O Baile de Gala


Jaden encontrava-se encostado a uma parede junto das casas de banho, com os head-phones nos ouvidos. A música que irrompia dos mesmos encontrava-se tão alta, que o burburinho presente naquele corredor quase nem se ouvia. Fechou os olhos e encostou a cabeça, pensando em tudo o que lhe acontecera na noite anterior. Mas foi rapidamente interrompido por um toque violento no ombro. Abriu os olhos e tirou os head-phones, deparando-se Daisy.
- Jaden… ainda bem que te encontro!


Reconheceria aquela voz em qualquer parte do mundo. Geralmente graciosa, mas desta vez autoritária o bastante para o fazer lembrar-se da sua mãe.
- Olá, Daisy. Tudo bem?
Daisy sorriu-lhe sem mostrar os dentes, e Jaden teve logo um vislumbre do que dali vinha. Enquanto a colega ajeitava o cabelo que se encontrava superficialmente emaranhado, ele preparou-se mentalmente para o sermão que ele julgava que se antevia.
- Olá - cumprimentou ela, num tom inesperadamente reticente - Comigo está tudo bem… contigo é que já não sei.
- Comigo está tudo ótimo, Daisy… - respirou fundo, começando a não gostar da expressão que esta ostentava nesse momento – Porquê?
Daisy contorceu os braços, nervosa. Tornava-se evidente que sentia algum receio do amigo não reagir bem àquela conversa.
- Porque andas estranho ultimamente… - vendo que Jaden abria a boca para protestar, ela continuou – E não vale a pena desmentires, não sou a única a reparar nisso.


Um batalhão de alunos transpôs o corredor e Jaden necessitou de recorrer à leitura momentânea dos lábios da colega, para perceber aquilo que ela dizia e que as vozes grossas do grupo abafavam.
- O Nathan também acha isso, é? – gracejou Jaden, lançando uma gargalhada um tanto grosseira.
- Sabes que o teu feitio ultimamente tem andado insuportável, não sabes? – murmurou ela, severamente, ignorando a última frase do amigo.
Jaden enfiou as mãos nos bolsos e suspirou. O que mais odiava na amiga (e eram poucas coisas) era quando ela se armava em sua mãe. Até sabia que ela não o fazia por mal, mas não deixava de o aborrecer. Por vezes, sentia vontade de lhe dizer tudo o que pensava. Mas nunca o chegava a fazer. Daisy era protectora e responsável por natureza e ele não se sentia no direito de mudar isso.
- O teu humor tem andado a criar mau ambiente. Suponho que já reparaste nisso…? Ontem à noite estiveste calado o tempo todo, e já é a segunda vez que discutes com o Nathan! Ele ainda apanha uma concussão por tua causa, sabes que ele é sensível! – esta última frase dita por Daisy parecia um tanto ou quanto sarcástica, pelo que Jaden sorriu ligeiramente.


- É… eu sei que mudei um bocado. Às vezes nem sequer sei bem porquê e…
- Então como é que mudaste? – insurgiu-se Daisy, calma e tristemente.
Ela olhava-o preocupada e Jaden sentiu-se levemente desiludido consigo mesmo. Existiam, de facto, mudanças em si que não lhe agradavam. No seu íntimo, também não entendia como podia mudar se ele próprio não se sentia feliz com a sua mudança. As mesmas dúvidas pareciam assombrar a mente da colega, que continuava a observá-lo com uma ponderação nada reconfortante.
- Só devias poder mudar se quisesses.
Antes que Jaden pudesse responder, o cabelo loiro da rapariga desapareceu, esvoaçando por entre os universitários que se aglomeravam provocando uma desordem imensa. Embora não tivesse feito nada para que isso acontecesse, a verdade é que a última frase de Daisy gravara-se-lhe na mente, da mesma maneira que a tinta da caneta se grava no papel e não sai sem deixar a marca do corretor.


Desencostou-se da parede, desta vez um pouco mais calmo e com um sentimento de culpa terrível. A determinação e a frieza com que a amiga lhe dissera aquela última frase dera-lhe a entender que o seu feitio estava a causar um mau estar entre ele, Daisy e Nathan. Mas não podia deixar que isso acontecesse, embora também não quisesse afastar-se de Thomas. Caso o fizesse, a sua cólera podia ascender ainda mais, causando um ambiente pior do que já estava. Contudo, se se afastasse dos seus dois melhores amigos, estes podiam ficar magoados e, de certo modo, desiludidos com o companheiro que entretanto veio a mostrar-se desinteressado nos laços de amizade que se construíram.
À hora de almoço, todos alunos da universidade apressaram-se para o átrio da entrada, rodeando a vitrina de anúncios e impedindo os detrás de verem o que tanto lhes interessava. Mas o que era certo era que, fosse o que fosse, inquietava todo aquele mar de gente.
Dirigiu-se ao refeitório, que se encontrava mais vazio, comparado com o átrio, e procurou a mesa onde Daisy e Nathan podiam estar. E para sua satisfação, os dois amigos encontravam-se numa mesa ao fundo, perto da porta da saída de emergência. Sorriu ligeiramente. Uma sensação de tranquilidade começou a trepar-lhe o coração, e dirigiu-se num passo lento até à mesa.
- Posso sentar-me aqui com vocês? – perguntou, esboçando agora um sorriso de orelha a orelha, parecendo até forçado.
- Claro que sim, Jaden! – respondeu Daisy, surpreendida pela pergunta.
Nathan comia apressadamente, não tirando os seus olhos castanhos e esbugalhados do seu prato.


- Eu… eu queria pedir-vos desculpa! – começou Jaden, com um tom de voz resignado e deprimido. Nathan levantou os olhos do prato, esquecendo-se de tirar o garfo da boca. Por seu turno, Daisy observava-o com uma expressão afável e quase apaixonada. – Eu sei que tenho andado um pouco irritado, e acabo por descarregar em vocês. Desculpem!
Daisy pegou delicadamente na mão de Jaden e esfregou-lhe divertidamente o cabelo, rindo-se.
- Nós desculpamos-te!


Nathan começou a balbuciar qualquer coisa, que no entanto não se conseguia perceber por causa do garfo que ainda tinha na boca.
- Nathan, tira o garfo da boca! – relembrou-lhe Daisy.
- Ah! – retirou o garfo e começou – Não faz mal amigo! Na verdade, eu também sou um chato, e se tu confias naquele coiso… quer dizer, naquele rapaz, eu também confio!
- Obrigado, malta! Estava com medo que não aceitassem as minhas desculpas!
Riram-se em conjunto, e uma longa conversa sobre temas banais acabou por eclodir naquela mesa. Já se tinha passado quase uma hora, e os três continuavam a conversar alegremente.
- Sabem que vai haver um Baile de Gala aqui na universidade? – anunciou Daisy, tirando um panfleto da sua mala, pelo que Jaden se lembrou das raparigas eufóricas que também tinham um.
- Então é por isso que estão todos tão entusiasmados?
- Sim! Pelo que dizem, é um Baile que vai ser visto na televisão para representarem o estatuto da universidade. Com sorte ainda fazem uma reportagem sobre ela, entrevistando alunos e professores. Vai ser o máximo!
- E temos de levar acompanhante? – perguntou Jaden, pelo que Nathan se enterrou na cadeira, com um tom escarlate a aflorar-lhe do rosto.
- Não – elucidou Daisy. – É individual. Mas, claro, podemos ir em grupo, e quem quiser pode levar acompanhante, de qualquer das formas.


- E quando é que é o Baile? – inquiriu Nathan, um pouco mais aliviado.
- Daqui a 3 dias! Vai ser tão lindo! Imaginem, os rapazes com fatinhos e gravatas, e as raparigas com vestidos de gala, com lenços no pescoço, colares, jóias… vai ser um sonho! – Daisy ficou a olhar para o teto, a sonhar, enquanto Jaden e Nathan trocavam olhares de gozo.
Mas embora não gostasse muito de bailes de gala, Jaden mostrou-se entusiasmado com a ideia. Nada como uma festa com amigos para se abstrair de tudo o que o atormentava.