Passadas quase duas horas, Jaden notou que a momento do seu encontro na floresta com Anon se aproximava cada vez mais. Olhou para o relógio, embora já soubesse as horas, e fingiu grande choque:
- Céus! Já são estas horas?
- O que é que tem? – perguntou Daisy, confusa.
- Tenho de… ir ter com o meu pai ao trabalho. Fiquei de lhe entregar uma coisa que ele precisa.
- Se quiseres eu vou contigo, depois podemos ir lanchar juntos à Pizzaria!
- Desculpa amor, não dá. Depois tenho de ir ter com a minha mãe, ela quer que eu esteja em casa cedo para a ajudar.
Daisy denotou uma expressão desiludida, mas disfarçou e mostrou-se compreensiva, pelo que Jaden respirou de alívio. Não queria dar demasiadas explicações à namorada, pois mais tarde ou mais cedo ela iria desconfiar.
- Não faz mal… vamos ter mais oportunidades. Vai lá, então.
Depois de dar um beijo rápido à namorada, Jaden saiu da universidade a passo acelerado. Por muito que achasse absurdo continuar a encontrar-se com Anon, algo no seu íntimo o obrigava a ir, como se houvesse uma ínfima vontade, bem no fundo do seu coração, de receber mais explicações. E pelo que soubera, nessa tarde ia ficar a saber ainda mais.
Na floresta estendia-se um nevoeiro gelado que fizera Jaden estremecer. O caminho ficou desvanecido e um vento cortante penetrou na sua roupa.
- Anon? – chamou Jaden.
E nesse momento, por entre a neblina, surgiu Anon, com a mesma roupa que a noite anterior, sem nem mais nem menos camadas.
- Como é que consegues estar vestido assim? Já viste o frio que está? Temos de começar a encontrarmo-nos noutro sítio.
- Frio? Depois habituas-te. O nosso corpo foi feito para se adaptar às circunstâncias… se o disciplinares, deixas de sentir frio.
- Fala por ti… - resmungou Jaden, esfregando os braços freneticamente.
Anon andou em direção a uma árvore e encostou-se a ela, tal e qual como no dia anterior. Cruzou os braços e começou a falar.
- Antes de começarmos queria pedir-te uma coisa, Jaden.
- O que é que vem daí?
- A partir de agora começa a contar-me todas as coisas peculiares que te aconteçam… comportamentos estranhos que tenhas, sensações invulgares… tudo. Ok?
Jaden hesitou durante alguns momentos. Lembrou-se do sonho que tivera nessa noite quase que instantaneamente, e embora achasse completamente absurdo, decidiu contar. Já lá ia o tempo em que guardava tudo para si mesmo.
- Bem… posso começar a contar-te já hoje.
- O que é que se passou…?
- Bem… hoje à noite tive um sonho um pouco esquisito. Provavelmente não deve significar nada mas já que me pediste para te contar tudo… Sonhei que estava em minha casa e de repente aparece-me um homem atrás de mim. Um homem que eu nunca vi na vida…
- Como é que ele era? – perguntou Anon, os seus olhos azuis a mirar Jaden de uma forma que o incomodara imenso.
- Era… velho, magro, tinha uma pele escura e usava roupas muito antigas.
Anon arregalou os olhos e ergueu-se durante alguns segundos, como se tivesse recebido uma notícia chocante.
- Como é que é possível? Ainda é muito cedo para o conheceres… - disse Anon, parecendo mais que estava a falar para si próprio do que para Jaden.
- O que foi?
- Hum? Nada… bem, é melhor não dares importância a isso. Pelo menos para já, estamos entendidos?
- Sim, chefe. – brincou Jaden.
Contudo, Anon nem estremeceu a boca, comprimindo-a num risco quase perfeito, a sua expressão mais severa do que nunca.
- Hoje vou falar-te dos Quatro Dons… - recomeçou, virando-se de costas para Jaden. – Estes quatro Dons foram criados por Aleron Tariqq, que, como já te disse ontem, é o criador das Dunas de Tariqq. No fim de te elucidar o nome e significado de cada poder, dir-te-ei como é que eles foram criados. Ainda não estás preparado para perceber isso.
- Está bem…
- Bem… primeiro vou te explicar o Primeiro Dom, mais conhecido como Zaghan Assyn…
- O quê? – inquiriu Jaden, desnorteado.
- Zaghan Assyn! Na linguagem do meu povo significa: O Olho Calculista do Leopardo. Que, como já deves calcular, é o Dom que eu possuo.
Subitamente, ergueu o seu braço esquerdo e mostrou uma espécie de cicatriz. Assemelhava-se imenso à marca que Jaden detinha no seu antebraço, mas tinha outra forma. Era uma mancha prateada com uma espécie de olho parecido com o de um felino a salientar-se na pele.
- Como já deves ter reparado, não és o único que tem uma marca invulgar no braço. Todos os habitantes das Dunas de Tariqq possuem uma marca assim, dependendo do Dom que fruem. Mas voltando ao primeiro Dom… o Zaghan Assyn consiste na possibilidade de o indivíduo se conseguir transformar instantaneamente num leopardo, com um dobro do tamanho e força de um animal selvagem comum. Alguma dúvida?
- N-não… acho eu…
- Ótimo… passemos ao Terceiro Dom.
- Então e o Segundo? – interrompeu Jaden, confuso.
- Já lá vamos… vamos seguir a ordem…
- Ordem? Bem, não sei se sabes contar, mas acho que o terceiro vem depois do segundo.
O rosto pálido de Anon ficou de um tom escarlate de um momento para o outro. Parecia que ia explodir.
- Vamos lá ver se nos entendemos… uma coisa é a tua cultura… outra coisa é a minha. Eu neste momento estou-te a dar a conhecer a minha cultura, por isso é melhor calares-te. Há uma razão para eu ter saltado do primeiro para o terceiro, basta esperares e eu explico-te!
Jaden não respondeu, sentindo uma pontada de vergonha dentro de si, pelo que Anon continuou.
- O Terceiro Dom é o Tigriz Dayan, ou A Ira do Tigre. Não difere muito do primeiro. Apenas tem a particularidade de o possuidor se conseguir transformar num tigre que, ao contrário do leopardo, não é tão calculista e apenas se preocupa em atacar! O seu símbolo é este… - Anon virou-se para a árvore, e apontou um dedo para o seu tronco.
De repente, como que por magia, uma espécie de cruz esculpiu-se no tronco, acompanhada de um fumo ligeiro, como se tivesse sido queimada apenas naquele núcleo.
- Dúvidas?
- Não…
- Então passemos para o Segundo Dom. Este é dos mais importantes na árvore dos Dons, porque é o que basicamente controlada o resto dos dons.
Anon juntou as duas mãos, e quando as voltou a separar uma chama prateada desabrochou, contorcendo-se convulsivamente.
- Chama-se Flam Braeken, que, traduzindo para a vossa linguagem, significa A Chama Interior. – Continuou. - É muito conhecido, pois o indivíduo fica nutrido de uma força sobrenatural, capaz de suportar até dezenas de toneladas, e até controlar corpos à distância devido a ondas invisíveis de energia que penetram no Sistema Nervoso do alvo que se queira controlar.
- Foi esse Dom que eu usei com o meu colega?! Quando o empurrei quase nem lhe toquei… - concluiu Jaden. Agora tudo fazia sentido… agora começava a acreditar mais em Anon.
- Sim… foi isso mesmo.
- Então mas… como é que esse Dom controla os outros todos?
- Bem… controla mais precisamente o primeiro e o segundo. Para um indivíduo se transformar num animal selvagem, é preciso algo dentro de si que o faça transformar-se… um espírito selvagem… um fogo interior! Mais alguma questão?
Jaden acenou negativamente com a cabeça, prestando atenção ao que Anon lhe ia dizer a seguir. Ainda não conseguia acreditar que o motivo daquele acidente com o seu colega tinha sido o segundo Dom. A sua mente disparara nesse momento, num turbilhão de expeculações, como se estivesse a planear a sua próxima cobaia. Já que conseguia controlar um Dom, então não seria nada difícil controlar os outros, pensou ele.
Anon voltou a virar-se para a árvore, mas não esculpiu nada no seu tronco. Em vez disso, dois riscos surgiram no meio de nevoeiro, como duas pequenas cordas de prata, que se entrelaçaram perfeitamente, como se estivessem a dar um nó.
- Este é o Mital Etnam… O Poder da Mente. É um dos mais raros dentre os Quatro Dons. Consiste na capacidade de ler e controlar a mente de outrem, criando-lhe ilusões e fazendo-o cometer atos que, posteriormente, a vítima nem se recorda. Este símbolo ilustra isso mesmo… a Ligação Neural. Foi o que o Abraxaz, ou Thomas, fez contigo…
Jaden sentiu o seu coração parar nesse momento. Arregalou os olhos, quais duas amêndoas enormes.
- O quê?
- Porque é que achas que te sentias tão irritado com os teus amigos? Ao ponto de sentires vontade de bater no teu amigo cenoura?
- Como é que…?
- Foi o Abraxaz que controlou a tua mente, para que o visses como um refúgio e assim aproximares-te dele, para lhe facilitar o seu trabalho. E tu não te lembras de nada… e se te lembras, até agora pensaste ser algo que viesse dentro de ti mesmo… da tua própria vontade. Correto?
- Meu Deus… agora tudo faz sentido! – exclamou Jaden, com um tom de entusiasmo, porém de indignação, na sua voz. Tudo na sua cabeça encaixava perfeitamente. – Mas… o Abraxaz transformou-se num tigre… isso quer dizer que ele tem o terceiro Dom. Como é que ele pode ter dois Dons em simultâneo?
Anon sorriu jovialmente.
- Já estava à espera que perguntasses isso. O Abraxaz é um dos muitos a possuir mais do que um Dom. Tal como tu, que os possuis a todos, o Abraxaz possui dois deles, disciplinando a sua mente conforme as suas necessidades.
- Eu possuo todos os Dons?!
- Sim… e é isso que te vou falar agora, Jaden… O Traham Suryah.